quarta-feira, 27 de junho de 2007

Sufis

Niffarî:
"Alá disse-me: Formula o teu pedido dizendo-Me: 'Senhor, como devo dedicar-me firmemente a Ti de tal modo que, no dia do meu Juízo, Tu não me venhas a punir nem a desviar de mim o Teu rosto?' Então, Eu (Alá) responder-te-ei dizendo: dedica-te à Suna na tua doutrina e na tua prática exteriores, mas, na tua alma, dedica-te à Gnose que Eu te dei. Pois fica sabendo que, quando Me dou a conhecer a ti, Eu nada quero aceitar de ti relacionado com a Suna, apenas aquilo que a Minha Gnose te dá, pois tu és um daqueles a quem Eu falo, ouves-Me e sabes que Me ouves, pelo que vês que Eu sou a origem de todas as coisas."

Jalal ed-Din Rumi:
"Não sou cristão nem judeu, não sou parsi nem muçulmano. Não sou de Oriente nem de Ocidente, não sou da terra nem do mar... O meu lugar é não ter lugar, o meu rasto é não ter rasto... Pus de lado a dualidade, vi que os dois mundos são um só. E só o Uno procuro, só o Uno conheço, só o Uno vejo, só o Uno invoco. Ele é o Primeiro, Ele é o Último, Ele é o Exterior, Ele é o Interior..."

cit. Frithjof Schuon, "Compreender o Islão", Publicações Dom Quixote, Lisboa, 1989.

terça-feira, 26 de junho de 2007

Melancolia II

O que o fado tem de comum com o budismo, para mim, é essa essência que se expressa no concreto, no presente (mesmo na presença real e dolorosa da ausência... nunca um fado se expressa por termos demasiado vagos ou gerais... pode ser ambíguo porque o ser humano é ambíguo, com todo o seu corpo de desejos) e essa outra essência, a da não ambição que no fado surge da atitude trágica, falsamente entendida como fatalismo, a atitude perante uma realidade vencedora (o "eu" é sempre vencido, no fado... que longe estamos do optimismo individualista ocidental!).

Sempre me intrigou a tranquilidade que me inspira essa "tragédia" do fado. É a raíz da própria tranquilidade... A tranquilidade que advém de conhecermos o nosso destino, porque demos de caras com ele.

O real transcendente... Deixa-me passear um pouco o pensamento...

Não eram os gregos mestres no género trágico, que legaram a uma civilização ocidental que demorou milénios para, finalmente (para azar seu) o "esquecer"? Não vai a civilização "ocidental" encontrar as suas raízes na mesma civilização "indo-europeia" que deu origem também à língua sânscrita em que foram escritos os vedas que formaram a cultura hindi e o pano de fundo do budismo? É curioso e acredito (na medida em que posso crer nalguma coisa) que é também significativo que a tragédia tenha sobrevivido aqui, em Portugal, neste "Extremo-Ocidente que termina a Europa ao virar as costas aos seus assuntos" (li esta frase ainda hoje num livro: "O Quinto Império", de Dominique de Roux, edição portuguesa da Hugin de 2001) e que, terminando a caminhada - através do oceano - reencontra o Extremo-Oriente... As origens...

Perguntaste-me outro dia
Se eu sabia o que era o fado.
Eu disse que não sabia,
Tu ficaste admirado.
Sem saber o que dizia
Eu menti naquela hora
E disse que não sabia,
Mas vou te dizer agora.

Almas vencidas,
Noites perdidas,
Sombras bizarras...
Na mouraria
Canta um rufia,
Choram guitarras!
Amor, ciúme,
Cinzas e lume,
Dor e pecado...
Tudo isto existe,
Tudo isto é triste,
Tudo isto é fado!

Se queres ser o meu senhor
E teres-me sempre a teu lado,
Não me fales só de amor,
Fala-me também do fado.
A canção que é meu castigo
Só nasceu pra me perder,
O fado é tudo o que eu digo
Mais o que eu não sei dizer.

Letra de: Aníbal Nazaré e F. Carvalho

Melancolia I

O fado tem um misterioso poder de exorcismo, como se pudéssemos caminhar voltados para trás, contemplando o que já passou, mas uma força qualquer nos fizesse, apesar disso, andar para a frente. Apercebemo-nos dessa corrente pelo sofrimento, que nos corrói - apesar de nós mesmos - a máscara pessoal das ilusões. No budismo, é a meta a atingir pela meditação e pela prática intencional da não-intenção.

Eu disse adeus à casinha, meu bem,
Do nosso amor em má hora...
Eu disse adeus, mas não tinha
Saudades que tenho agora!
Eu disse adeus aos teus beijos, também,
Mal a abalar o meu ninho,
Disse adeus aos teus desejos
E ao meu painel de azulejos
Com um Santo António velhinho
E ao dizer-te adeus, vendida,
Disse adeus à vida
Que era o teu carinho!
Eu disse adeus à ventura banal
De ter um lar e uma brasa!
Eu disse adeus à procura
Da sorte que tinha em casa!
Eu disse adeus por maldade, fiz mal!
Sei que entre as mais raparigas
Vais matar esta saudade...
Olha, se amares de verdade,
O meu exemplo não sigas!
Vale às vezes mais ser mudo!
Meu amor, diz tudo,
Mas adeus, não digas!

José Galhardo / Frederico Valério

Um

Benvindo a Perennia.

Silêncio.

Da ilusão retém o que te leva além das ilusões. Um subtil padrão.

O traço permitir-te-á reconhecer um único Artista em todas as obras. Todas foram assinadas.

Todos os sons são ruído e todo o ruído é a toada da harmonia universal, como o silêncio.

Em Perennia impera a Regra; não existem regras.

Cada vontade é uma dimensão de Perennia. Cada norma é nula segundo todas as outras. Perennia é a súmula das normas.

O tempo não corre, não anda, não passa. O tempo é de Perennia.

Perennia é, também, unidade saturada de sentido. É a dimensão singular que possibilita todas as dimensões.

Onde queres chegar, já estiveste; nunca de lá saíste. Caminhas ao encontro dos teus próprios passos, atrás dos teus próprios passos. Perennia é o Único Lugar.

Estejas onde estiveres, aí estás. Todos os lugares são Perennia. Apenas a utopia, por não o ser, não o é.

Perennia é.