sexta-feira, 12 de junho de 2015

Ciência e deslumbramento

Porque se "acredita", sem provas nem demonstração teórica, em milagres de santos e profetas, tal como em "siddhis" e outros portentos em que várias tradições religiosas sustentam a crença das pessoas? Não considero a religião, em si mesma, o tal veneno que tantos gostam de lhe chamar. Justificar a crença através de milagres é que me parece, isso sim, equivalente a traficar droga... Acreditar que alguém viveu 256 anos, sem provas, decorre estritamente da recusa do "crente" em ver a realidade tal como é.

Não domino o assunto, mas arrisco sugerir que, nesse "inconformismo" da crença em milagres, cruzam-se o medo e a criatividade, sendo uma outra expressão, talvez, do "instinto" humano de interagir com o mundo, mudando-o. São a mesma capacidade de pensar "outside the box", a curiosidade, o desejo de descobrir, independentemente de terem origem no sofrimento ou na alegria, na fuga ao que nos faz sofrer ou na adesão à nossa capacidade intrínseca de compreender e de interagir com o mundo. Num caso, a crença em milagres, em "realidades além da realidade" ou, para resumir, em tudo o que exige que se deixe de questionar, fazendo-nos estagnar, qual Adamastor, agarrado à pedra no meio da tempestade, transformado em pedra. No outro, o esforço de expandir os limites do conhecimento, guiados por um desejo de não transgredir as regras que acreditamos poderem permitir-nos dizer coisas verdadeiras, faz-nos progredir, ao encontro da realidade.
 

Muitos cientistas, provavelmente, rejeitariam o termo (porque não lhes interessam esses assuntos), mas a ciência também é uma filosofia monista. O conhecimento cresce por observação (céptica) do mundo, ligando novos dados e conceitos a um edifício em que tudo obedece às mesmas leis. O método científico é um meio de disciplinar o inconformismo, de tornar eficaz o esforço da imaginação, dirigindo-o à crítica da realidade que se conhece e não à crença em coisas inexplicáveis.
 
O cepticismo, longe de ser estéril, é a "rendição aos nossos limites": é o conflito de Ulisses que se obriga a não abandonar o seu veículo, nem seguindo as sereias, nem se misturando com os porcos. Tensão em que se rejeita, simultaneamente, o esbracejar profético dos arautos do maravilhoso, e os bezerros de ouro dos boçais. É a verticalidade no caminhar, vigilante e honesto, que permite, se for essa a nossa inclinação, encontrar o silêncio, sem ruído de quimeras, no deslumbramento com a imensidão do Cosmo.

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